domingo, 1 de março de 2009

REALIDADE PENSANTE - ATO IX - Carta do Prelado do Opus Dei, Mons. Javier Echevarría


09 de fevereiro de 2009

Caríssimos: que Jesus guarde as minhas filhas e os meus filhos!

A oração é e será sempre a primeira arma para conseguir o dom divino da união dos cristãos. Temos procurado utilizá-la especialmente nas últimas semanas, por ocasião do oitavário pela unidade, que, neste ano – dedicado a São Paulo –, teve especial relevância. No Opus Dei, aliás, como recomendava São Josemaria, rezamos todos os dias pro unitate apostolatus, pedindo a Deus que os que invocam o nome de Jesus Cristo e o reconhecem como Senhor cheguem quanto antes a formar um só rebanho sob um só pastor [1].

Agora, desejo recordar-vos que, juntamente com a oração, todo o trabalho apostólico – também, portanto, o trabalho em favor da unidade dos cristãos – tem de estar acompanhado pela expiação alegre e generosa, que nos une estreitamente a Jesus Cristo. Não esqueçamos que, na Cruz, Nosso Senhor nos redimiu dos nossos pecados e nos abriu o caminho para nos identificarmos com Ele.

O nosso Padre costumava repetir que a mortificação é “a oração dos sentidos” [2]. Temos de amar Cristo na Cruz e compartilhar com Ele as nossas pequenas e grandes contrariedades – além da penitência pessoal voluntária –, felizes por podermos colaborar, como ensina o Apóstolo, no crescimento do Corpo Místico: Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós; completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo pelo seu corpo que é a Igreja [3].

Em muitos lugares, não se compreende o valor da purificação e da corredenção que a dor aceita e oferecida em união com Jesus Cristo contém. É atualíssima a consideração de São Josemaria numa das estações da Via Sacra: “Há no ambiente uma espécie de medo à Cruz, à Cruz do Senhor. É porque começaram a chamar cruzes a todas as coisas desagradáveis que acontecem na vida, e não sabem levá-las com sentido de filhos de Deus, com visão sobrenatural. Até arrancaram as cruzes que os nossos avós plantaram pelos caminhos…

“Na Paixão, a Cruz deixou de ser símbolo de castigo para converter-se em sinal de vitória. A Cruz é o emblema do Redentor: in quo est salus, vita et ressurrectio nostra: ali está a nossa saúde, a nossa vida e a nossa ressurreição” [4].

Convido-vos a aprofundar nestas palavras, especialmente nas próximas semanas, enquanto nos preparamos para celebrar o dia 14 de fevereiro – dia de ação de graças no Opus Dei, por ser aniversário de duas datas fundacionais –, e também na última semana do mês, por ocasião do tempo da Quaresma. Ao referir-se a esses momentos fundacionais – o começo do trabalho apostólico da Obra com as mulheres, em 1930, e o da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, em 1943 –, o nosso Padre enchia-se de agradecimento a Deus. No fato de esse dois eventos da história da Obra terem coincidido na mesma data, embora de anos diferentes, São Josemaria via uma demonstração particular da Providência divina.

Por um lado, via nessa coincidência uma manifestação da unidade essencial entre os diversos componentes do Povo de Deus que integram a Obra. Ao mesmo tempo, São Josemaria compreendeu com nova clareza que Cristo na Cruz tem de presidir a todas e cada uma das atividades dos membros do Opus Dei. Em agosto de 1931, o Senhor fizera-o compreender que desejava que os homens e mulheres de Deus pusessem a Cruz no cume de todas as atividades humanas, mediante o seu trabalho profissional santificado e santificante. Esse desejo divino ficava ratificado em 14 de fevereiro de 1943, quando – como afirmava o nosso Fundador – “o Senhor quis coroar a sua Obra com a Santa Cruz”.

A profunda compenetração teológica, espiritual e apostólica de leigos e sacerdotes, característica do Opus Dei desde os seus começos, recebeu a sua configuração jurídica adequada ao ser erigido pelo Romano Pontífice João Paulo II em prelazia pessoal. Demos graças à Santíssima Trindade pela eficácia desta cooperação orgânica dos presbíteros e dos leigos na missão da Igreja pro mundi vita [5], para a salvação do mundo.

A propósito destes aniversários, comentava São Josemaria numa ocasião: “Eu pensava que no Opus haveria apenas homens. Não é que eu não gostasse das mulheres – amo muito a Mãe de Deus; amo a minha mãe e as vossas; gosto de todas as minhas filhas, que são uma bênção de Deus no mundo inteiro –, mas, antes de 14 de fevereiro de 1930, eu não sabia nada sobre a vossa existência no Opus Dei, ainda que, por outro lado, batia no meu coração o desejo de cumprir a Vontade de Deus em tudo. E quando terminei de celebrar nesse dia a Santa Missa, já sabia que o Senhor queria a Seção feminina. Depois, em 14 de fevereiro de 1943, Ele quis coroar com a Cruz o seu edifício: a Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz” [6].

E, dirigindo-se especificamente às mulheres da Obra, acrescentava: “Minhas filhas, tendes alma sacerdotal, repito-vos com São Pedro: Vos autem genus electum, regale sacerdotium, gens sancta, populus acquisitionis (1 Pe 2, 9). Sois linhagem escolhida, real sacerdócio, nação santa… E, além disso, tendes o privilégio de que Deus escolheu uma mulher para ser sua Mãe: a sempre Virgem, nossa Mãe Santa Maria, que permaneceu ao pé da Cruz, com fortaleza, com amor. DEla aprendeis a ser corredentoras […]. Com os vossos anseios de adorar a Deus, de reparar, de agradecer, de impetrar, pondes o que falta – como afirma São Paulo – à Paixão de Cristo: et adimpleo ea quae desunt passionum Christi in carne mea pro corpore eius, quod est Ecclesia (Col 1, 24). E o Senhor, que é o Semeador Divino – recordais a parábola –, toma-vos em suas mãos ensanguentadas como dois punhados de trigo, aperta-vos e lança-vos ao ar para vos espalhar por toda a terra. Sois bênção do Senhor. Sois fecundidade do Senhor, e, com a sua ajuda, podeis tudo” [7].

A alma sacerdotal é característica de todos os cristãos, infundida em nós pelo Batismo e pela Confirmação. Deus quer que esteja sempre ativa em nós, de modo análogo ao de como a alma humana informa, a todo o momento, com a sua virtude, os diversos membros do corpo. Mantenhamos sempre vivo esse espírito sacerdotal, que tem de ser como o bater do coração: um impulso espiritual que leva à união com Jesus crucificado e ressuscitado, com o desejo de fazer de nós, inteiramente, instrumentos seus para a salvação das almas. Como o Santo Sacrifício do altar influi no teu dia, no teu trabalho, na tua fraternidade, no teu apostolado? Cresce a cada dia o teu amor pela Paixão do Senhor? Fomentas na tua alma a necessidade da penitência?

Filhas e filhos meus, foi neste mês que o nosso Padre, num impulso irreprimível de afeto, dirigiu ao Senhor, enquanto distribuía a Sagrada Comunhão às freiras na igreja do Patronato de Santa Isabel, aquelas palavras: “Amo-Te mais do que estas”. E ouviu a imperiosa censura divina: “Obras é que são amores, não as boas palavras” [8]: era o pedido para que não transigisse na oração e na expiação que já lhe consumia a alma.

A experiência de São Paulo, homem que amava a Cruz e estava cheio de zelo pela salvação do mundo, tem de reproduzir-se em todos os fiéis. O Papa Bento XVI assim o tem recordado com frequência durante este ano dedicado ao Apóstolo. “Para São Paulo – dizia numa audiência –, a Cruz tem um primado fundamental na história da humanidade; representa o ponto central da sua teologia, porque dizer Cruz significa dizer salvação como graça dada a toda criatura. O tema da Cruz converte-se num elemento essencial e primário da pregação do Apóstolo” [9].

São Paulo não renuncia a pregar a necessidade da Cruz em momento algum, mesmo em cidades – como Corinto – onde imperava um manifesto hedonismo. Não passemos por alto este exemplo concreto de comportamento, que todos devemos seguir, especialmente nestes tempos. A linguagem da Cruz – anunciava o Apóstolo, sem falsos respeitos humanos – é loucura para os que se perdem, mas, para os que foram salvos, para nós, é uma força divina […]. Aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura da sua mensagem. Os judeus pedem milagres, os gregos reclamam a sabedoria; mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios [10].

Hoje, como sempre, é grande a urgência de insistir com as almas para que escutem estas verdades, nessa linguagem clara e, ao mesmo tempo, otimista, animadora, carregada de esperança. “O Apóstolo quer recordar, não só aos coríntios ou aos gálatas, mas a todos nós, que o Ressuscitado continua sempre a ser Aquele que foi crucificado. O «escândalo» e a «loucura» da cruz radicam, precisamente, no fato de que, onde parece existir somente fracasso, dor, derrota, é precisamente ali que está todo o poder do Amor ilimitado de Deus, porque a Cruz é expressão de amor, e o amor é o verdadeiro poder que se revela precisamente nessa aparente debilidade” [11].

O amor por Cristo explica a extraordinária força de Saulo para levar a mensagem cristã por todo o mundo. “Muitos apresentam São Paulo como um homem combativo que sabe usar a espada da palavra. De fato, no seu caminho de apóstolo não faltaram as disputas. Não buscou uma harmonia superficial […]. Para ele, a verdade era demasiado grande para que estivesse disposto a sacrificá-la em favor de um sucesso externo. Para ele, a verdade que tinha experimentado no encontro com o Ressuscitado bem merecia a luta, a perseguição e o sofrimento. Mas, o que o motivava mais profundamente era o fato de ser amado por Jesus Cristo e o desejo de transmitir esse amor aos outros. São Paulo era um homem capaz de amar, e todo o seu agir e sofrer só se explicam a partir deste alicerce. Os conceitos fundamentais do seu anúncio só se compreendem sobre esta base” [12].

Nessas linhas descreve-se perfeitamente o motor da alma sacerdotal, apostólica, que todos temos de fomentar. Trazem o eco de outras palavras do Apóstolo: Caritas Christi urget nos [3], o amor de Cristo insta conosco. E daquelas outras: Anunciar o Evangelho não é glória para mim; é uma obrigação que se me impõe. Ai de mim se não anunciar o Evangelho! [14]. O afã ardente de ser fiel ao mandato de Cristo – o mesmo que todos nós, cristãos, recebemos – impulsionou Paulo a viajar incansavelmente por toda a parte, dando a conhecer Jesus, sem ficar calculando as penas e sacrifícios que o cumprimento da sua missão comportava. O mesmo desejo impulsionava os primeiros cristãos. “Lá vão todos – recordava São Josemaria, em momentos de grave perseguição religiosa –, com a sua pureza, limpar o charco sujo e esverdeado do mundo pagão […]. A sociedade romana começa a contemplar, assombrada, homens jovens que, com fortaleza de corpo e de alma, se convertem em apóstolos da nova fé; não se segregaram do mundo e nada os diferencia dos outros; talvez, somente essa luz vibrante que lhes arde dentro do peito. Contempla também as virgens, pertencentes a famílias patrícias da Roma imperial e à plebe, que coroam a sua inocência com a penitência. E começa a perceber os efeitos de um apostolado perseverante, sem intermitências, repleto de generosidade e de sacrifício; através da algazarra das festas, nos anfiteatros e no meio dos banquetes monstruosos, a voz de Cristo ressoa cada vez mais fortemente” [15].

Sim, filhas e filhos meus: só em Jesus Cristo encontramos a razão do nosso serviço às almas, que desejamos que cresça de dia para dia com mais intensidade e com um profundo zelo. Se nos apaixonarmos “loucamente” por Ele, como São Paulo, nenhum obstáculo ou dificuldade, nem externo nem interno, poderá refrear o nosso apostolado. Meditemos em outras palavras de São Josemaria, que, seguindo os passos do Apóstolo, se perguntava: “Donde tirava São Paulo esta força? Omnia possum in eo qui me confortat (Fl 4, 13), tudo posso nAquele que me conforta! Tudo posso, porque só Deus me dá esta fé, esta esperança, esta caridade. Custa-me muito a crer na eficácia sobrenatural de um apostolado que não esteja apoiado, solidamente alicerçado, numa vida de contínua intimidade com o Senhor. No meio do trabalho, sim; dentro de casa ou no meio da rua, com todos os problemas, uns mais importantes que outros, que surgem todos os dias. Ali, não fora dali, mas com o coração em Deus. E então as nossas palavras e as nossas ações – e até as nossas misérias! – exalarão o bonus odor Christi (2Cor 2, 15), o bom odor de Cristo, que os outros forçosamente hão de sentir: aí está um verdadeiro cristão” [16].

Dentro de poucos dias, em 19 de fevereiro, é a data em que o caríssimo Dom Álvaro celebrava o seu onomástico. Sigamos também o exemplo deste Servo de Deus, que tão profundamente imprimiu em seu coração o zelo pela salvação das almas. Rezemos para que o iter da sua Causa de canonização caminhe expeditamente. Sem antecipar, de maneira nenhuma, o juízo da Igreja, estamos certos de que o reconhecimento da heroicidade das suas virtudes constituirá um impulso mais para que muitas pessoas decidam converter todos os momentos e circunstâncias da sua vida em ocasião de amar e de servir o Reino de Jesus Cristo [17].

No dia 21 deste mês, também terei a alegria de conferir o diaconado a dois irmãos vossos Adscritos. Vem com força à minha alma o desejo de São Josemaria de contar com esse serviço dos seus filhos Adscritos: não o contemplou realizado na terra, mas a sua oração e a sua expiação chegaram ao Céu, e bem podeis aplicar a vós a ideia de que sois – todos nós somos – fruto dessa oração, que continua no Céu, e daquela generosa e alegre expiação que praticou enquanto vivia conosco.

Ontem, recebeu-me em Audiência privada o Santo Padre Bento XVI. Não resisto a acrescentar estas linhas a esta carta, a fim de animar-vos uma vez mais a agradecer o seu grande afeto e interesse, e a sua paternal Bênção para todas as pessoas e trabalhos apostólicos da Prelazia. Rezemos muito pela sua Pessoa, pelo seu trabalho e pelas suas intenções.

Com todo afeto, abençoa-vos

o vosso Padre

† Javier


Roma, 1º de fevereiro de 2009.



[1] Cf. Jo 10, 16.

[2] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 9.

[3] Col 1, 24.

[4] São Josemaria, Via Sacra, II estação, ponto 5.

[5] Jo 6, 51.

[6] São Josemaria, Apontamentos da pregação, 11-VII-1974.

[7] Ibidem.

[8] São Josemaria, Caminho, n. 933.

[9] Bento XVI, Discurso na audiência geral, 29-X-2008.

[10] 1 Cor 1, 18-23.

[11] Bento XVI, Discurso na audiência geral, 29-X-2008.

[12] Bento XVI, Homilia na inauguração do ano paulino, 28-VI-2008.

[13] 2 Cor 5, 14.

[14] 1 Cor 9, 16.

[15] São Josemaria, Apontamentos da pregação, 26-VII-1937.

[16] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 271.

[17] Cf. Oração para a devoção privada ao Servo de Deus Álvaro del Portillo.

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