sexta-feira, 17 de julho de 2009

REALIDADE PENSANTE - ATO X - Comentários acerca da Salve Regina


O órgão anuncia as notas que iremos cantar para saudar a Santíssima Virgem ao final da Celebração. O solista introduz esta bela oração de invocação à Mãe de Deus e nossa.

“Salve Regina, Mater misericordiae...”

Acabamos de receber Jesus na Sagrada Eucaristia. Temos em nosso coração Aquele que pode nos santificar. Recebemos uma graça incomparável que é maior que o fato do céu vir morar em nós: o Senhor do céu e da terra veio morar em nós. Inclusive me vem à mente a mulher que sofria com o fluxo de sangue, que só de tocar na orla de seu manto ficou curada. Que é a orla do manto quando o que se tem em nós é o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade dAquele que vestia o manto que a mulher tocou?

Como se não bastasse sua santa presença em nós, recebemos do Senhor na mesma Celebração Eucarística instruções para uma vida mais santa por meio da Escritura Sagrada proclamada e da exortação do sacerdote na Homilia. Ou seja, o Senhor não só vem morar em nós por meio da Sagrada Eucaristia como nos fala por meio da Liturgia da Palavra.

Dada a imensidão das graças recebidas na Santa Missa, qual a necessidade que ainda temos de invocar Nossa Senhora ao final da Celebração?

“... Vita, Dulcedo et Spes nostra, salve!”

Para explicá-lo, peço licença a Santo Afonso Maria de Ligório, São Dionísio Areopagita, São Boaventura, São Bernardo de Claraval, São Bernardino de Sena e tantos outros santos que exaltaram a figura de Nossa Senhora, para tomar somente para citações os textos do maior escritor mariano que já se ouviu dizer: São Luis Maria Grignion de Montfort. Inicio dizendo sobre a importância da devoção à Santíssima Virgem. São Luis de Montfort nos ensina que ela é a dispensadora de todas as graças do Cristo, ou seja, se recebemos graças incontáveis na Celebração Eucarística, essas graças passaram por nossa Santa Mãe para atingir nosso coração. Deus quis se servir de Maria para ser a emissária de suas graças justamente para que por meio dela, por sua doçura, sua pureza, a humanidade O encontrasse. “Deus Filho comunicou a sua Mãe tudo que adquiriu por sua vida e morte: seus méritos infinitos e suas virtudes admiráveis. Fê-la tesoureira de tudo que seu Pai lhe deu em herança; é por ela que Ele aplica seus méritos aos membros do corpo místico, que comunica suas virtudes, e distribui suas graças; é ela o canal misterioso, o aqueduto, pelo qual passam abundantemente e docemente suas misericórdias (São Luís de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 24)”. Eis um dos aspectos primordiais da necessidade de uma amizade com nossa Santa Mãe. Não se trata de uma devoção interesseira, mas sim de uma devoção de dependência, onde vemos o alcance da intercessão de Nossa Senhora frente às nossas misérias. “Ele não resiste nunca às súplicas de sua Mãe, porque ela é sempre humilde e conformada à vontade divina (São Luís de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 27)”.

Se entendemos que a devoção à Nossa Senhora é algo necessário, pelo que ela significa e devido ao tratamento que ela recebeu da Trindade Santíssima, se entendemos que, por meio do amor que à ela tributamos, fazemos o Nome de Cristo maior, e em troca disso – sem merecimento algum de nós, pobres pecadores – recebemos graças infinitas do céu, vindas do Trino Deus pelas mãos doces de Maria Santíssima, por que não dirigirmos nosso olhar a ela na Santa Missa? Por que não manifestarmos nossa gratidão por sua intercessão por nós?

“Ad te clamamus, exsules filii Hevae. Ad te suspirámus gementes et flentes in hac lacrimárum valle…”

Muito bem, entendemos este primeiro aspecto. Contudo, as almas mais abrasadas de amor a Nossa Senhora podem me perguntar: Mas por que somente no fim da Missa? A resposta é bem simples, contudo de caráter orientador para nosso proceder. O Centro da Celebração Eucarística é Cristo. Como dizemos, é Cristo que se dá na Palavra, Cristo que se dá na Eucaristia. A Missa é um presente do Pai, onde se doa o Filho por ação do Espírito Santo. É o Sacrifício perene onde toda a Trindade age em favor da humanidade, atualizando a doação redentora de Cristo na cruz. É a ação perfeita do Amor (entenda-se na perspectiva de São João em sua Epístola onde ele define Deus como Amor) transcendendo o tempo, o espaço e o entendimento em prol da redenção do seu povo. Nossa Senhora, a mais perfeita das criaturas de Deus, a mais cândida das almas, o mais puro coração ardente de amor por Deus, é nosso modelo de caminhada. É o sinal que recebemos do alto indicando como viver. E, justamente por ser a dispensadora das graças do Cristo, é o auxílio que Ele mesmo nos dá para praticar na semana o que aprendemos na Santa Missa. É por isso que deixamos para o final da Celebração.

Sabiamente a Igreja nos faz refletir sobre a figura de Maria Santíssima como amparo em nossa conduta ascética nos últimos instantes do Santo Sacrifício do Altar. Sairemos do templo sabendo que não estamos sós: a Trindade habita em nós, por meio da recepção da Eucaristia e escuta da Palavra, e – vejamos quão amoroso é nosso Deus – recebemos um auxílio da maior de todas as criaturas, porém que é criatura como nós. Cultivar a amizade com Nossa Senhora fará com que obtenhamos os maiores benefícios da parte de Deus.

“Eia ergo, advocata nostra...”
“Encontraste graça diante de Deus” disse o Arcanjo na Anunciação. Bem vemos nestas palavras de São Gabriel que Maria é capaz de obter as graças necessárias para nós, pois o Pai se alegra em ouvir o que roga pelos que se confiam a sua intercessão. Mais que qualquer outra criatura, Deus se encanta com Maria, obra-prima de suas mãos. “A Santíssima Virgem, Mãe de doçura e misericórdia, que jamais se deixa vencer em amor e liberalidade, vendo que alguém se entrega inteiramente, para honrá-la e servir-lhe, despojando-se do que tem de mais caro para com isso adorná-la, entrega-se também inteiramente e dum modo inefável, a quem tudo lhe dá. Ela o faz imergir no abismo de suas graças, reveste-o de seus merecimentos, dá-lhe o apoio de seu poder, ilumina-o com sua luz, abrasa-o de seu amor, comunica-lhe suas virtudes: sua humildade, sua fé, sua pureza, etc.; constitui-se seu penhor, seu suplemento, seu tudo para com Jesus (São Luís de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 144)”.

Como não amar e não buscar auxílio nesta pessoa que tanto bem pode trazer para nós enquanto Igreja Militante? E mais, temos de aumentar cada dia mais os laços de amor com ela, pois seu Divino Filho no alto da cruz, no maior gesto de doação por alguém – onde Ele assumiria nossos pecados salvando a humanidade – deu-a a nós como Mãe. Observemos bem: além de todos os tratos divinos recebidos por Maria Santíssima, além de todo o significado que pudesse haver em sua Imaculada Conceição, além de todo o mérito que ela possui diante de Deus por ser morada da Trindade e Sacrário por excelência para nós, ainda a recebemos do próprio Cristo como Mãe.

“... Illos tuos misericordes oculos ad nos converte. Et Iesum benedictum fructum ventris tui, nobis post hoc exsílium ostende…”

“Oh! Que confiança e consolação para uma alma poder chamar também seu o tesouro de Deus, onde Deus depositou o que tem de mais precioso! ‘Ipsa est thesaurus Domini’ – Ela é, diz um santo, o tesouro do Senhor (São Luís de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 216)”. É incrível como nós, criaturas sem valor e pecadores por natureza, somos amados. De princípio nós, enquanto criaturas, devemos somente obedecer Àquele que nos criou: no entanto, Ele nos deu o livre arbítrio. Enquanto criaturas devemos fazer além do que estiver ao nosso alcance para servi-lO, unicamente por obediência: no entanto, Ele nos concede graças. Merecemos castigo por nossas transgressões: no entanto, Ele nos deu seu Filho para que assumindo nossa culpa e morrendo em nosso lugar, nos desse Salvação. Temos de zelar para ter uma conduta santa para não O ofendermos mais: no entanto, Ele nos deu Maria Santíssima para ser exemplo de santidade e excelsa medianeira. Somos alvo de uma forma de amar que não somos capazes de entender – e menos ainda de retribuir. Diz-nos o Doutor Angélico: “A verdadeira devoção à Santíssima Virgem consiste em se lhe devotar e entregar. O culto de dulia é a dependência, a servidão (São Tomás de Aquino, Suma Teológica 2-2, q. 103, a. 3, in fine corp.)”.

Não desprezemos este auxílio dado por Deus a nós. Na próxima Missa que participarmos, não consideremos este momento como simplesmente um canto a mais a ser entoado, ou uma mera referência à figura de Nossa Senhora. Olhemos com amor para a Mãe de Jesus e nossa, e nos sirvamos através de uma devoção sincera dos benefícios que podemos lucrar resultando em uma vida mais santa. Não há como errar: o reflexo disso é exatamente a vontade de Deus realizada.

“O clemens, o pia, o dulcis Virgo Maria!”

“Notai, se vos apraz, que eu digo que os santos são moldados em Maria. Há uma grande diferença entre executar uma figura em relevo, a martelo e a cinzel, e executá-la por um molde. Os escultores e estatuários têm de esforçar-se muito para fazer ima figura da primeira maneira, e gastam muito tempo; mas da segunda maneira, trabalham pouco e terminam em pouco tempo. Santo Agostinho chama a Santíssima Virgem ‘forma Dei’, o molde de Deus. ‘Si formam Dei te appellem, digna exsistis’, sois digna de ser chamada o molde de Deus (Santo Agostinho, Sermo 208). Aquele que é lançado no molde divino fica em breve formado e moldado em Jesus Cristo, e Jesus Cristo nele. Bela e verdadeira comparação! Quem a compreenderá, porém? Desejo que sejais vós, querido irmão. Mas lembrai-vos que só se lança no molde o que está fundido e líquido, isto é, que é mister destruir e fundir em vós o velho Adão, para que venha a ser o novo em Maria (São Luís de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 219 e 221)”.

V: Ora pro nobis, sancta Dei Genitrix!
R: Ut digni efficiámur promissiónibus Christi!

domingo, 1 de março de 2009

REALIDADE PENSANTE - ATO IX - Carta do Prelado do Opus Dei, Mons. Javier Echevarría


09 de fevereiro de 2009

Caríssimos: que Jesus guarde as minhas filhas e os meus filhos!

A oração é e será sempre a primeira arma para conseguir o dom divino da união dos cristãos. Temos procurado utilizá-la especialmente nas últimas semanas, por ocasião do oitavário pela unidade, que, neste ano – dedicado a São Paulo –, teve especial relevância. No Opus Dei, aliás, como recomendava São Josemaria, rezamos todos os dias pro unitate apostolatus, pedindo a Deus que os que invocam o nome de Jesus Cristo e o reconhecem como Senhor cheguem quanto antes a formar um só rebanho sob um só pastor [1].

Agora, desejo recordar-vos que, juntamente com a oração, todo o trabalho apostólico – também, portanto, o trabalho em favor da unidade dos cristãos – tem de estar acompanhado pela expiação alegre e generosa, que nos une estreitamente a Jesus Cristo. Não esqueçamos que, na Cruz, Nosso Senhor nos redimiu dos nossos pecados e nos abriu o caminho para nos identificarmos com Ele.

O nosso Padre costumava repetir que a mortificação é “a oração dos sentidos” [2]. Temos de amar Cristo na Cruz e compartilhar com Ele as nossas pequenas e grandes contrariedades – além da penitência pessoal voluntária –, felizes por podermos colaborar, como ensina o Apóstolo, no crescimento do Corpo Místico: Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós; completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo pelo seu corpo que é a Igreja [3].

Em muitos lugares, não se compreende o valor da purificação e da corredenção que a dor aceita e oferecida em união com Jesus Cristo contém. É atualíssima a consideração de São Josemaria numa das estações da Via Sacra: “Há no ambiente uma espécie de medo à Cruz, à Cruz do Senhor. É porque começaram a chamar cruzes a todas as coisas desagradáveis que acontecem na vida, e não sabem levá-las com sentido de filhos de Deus, com visão sobrenatural. Até arrancaram as cruzes que os nossos avós plantaram pelos caminhos…

“Na Paixão, a Cruz deixou de ser símbolo de castigo para converter-se em sinal de vitória. A Cruz é o emblema do Redentor: in quo est salus, vita et ressurrectio nostra: ali está a nossa saúde, a nossa vida e a nossa ressurreição” [4].

Convido-vos a aprofundar nestas palavras, especialmente nas próximas semanas, enquanto nos preparamos para celebrar o dia 14 de fevereiro – dia de ação de graças no Opus Dei, por ser aniversário de duas datas fundacionais –, e também na última semana do mês, por ocasião do tempo da Quaresma. Ao referir-se a esses momentos fundacionais – o começo do trabalho apostólico da Obra com as mulheres, em 1930, e o da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, em 1943 –, o nosso Padre enchia-se de agradecimento a Deus. No fato de esse dois eventos da história da Obra terem coincidido na mesma data, embora de anos diferentes, São Josemaria via uma demonstração particular da Providência divina.

Por um lado, via nessa coincidência uma manifestação da unidade essencial entre os diversos componentes do Povo de Deus que integram a Obra. Ao mesmo tempo, São Josemaria compreendeu com nova clareza que Cristo na Cruz tem de presidir a todas e cada uma das atividades dos membros do Opus Dei. Em agosto de 1931, o Senhor fizera-o compreender que desejava que os homens e mulheres de Deus pusessem a Cruz no cume de todas as atividades humanas, mediante o seu trabalho profissional santificado e santificante. Esse desejo divino ficava ratificado em 14 de fevereiro de 1943, quando – como afirmava o nosso Fundador – “o Senhor quis coroar a sua Obra com a Santa Cruz”.

A profunda compenetração teológica, espiritual e apostólica de leigos e sacerdotes, característica do Opus Dei desde os seus começos, recebeu a sua configuração jurídica adequada ao ser erigido pelo Romano Pontífice João Paulo II em prelazia pessoal. Demos graças à Santíssima Trindade pela eficácia desta cooperação orgânica dos presbíteros e dos leigos na missão da Igreja pro mundi vita [5], para a salvação do mundo.

A propósito destes aniversários, comentava São Josemaria numa ocasião: “Eu pensava que no Opus haveria apenas homens. Não é que eu não gostasse das mulheres – amo muito a Mãe de Deus; amo a minha mãe e as vossas; gosto de todas as minhas filhas, que são uma bênção de Deus no mundo inteiro –, mas, antes de 14 de fevereiro de 1930, eu não sabia nada sobre a vossa existência no Opus Dei, ainda que, por outro lado, batia no meu coração o desejo de cumprir a Vontade de Deus em tudo. E quando terminei de celebrar nesse dia a Santa Missa, já sabia que o Senhor queria a Seção feminina. Depois, em 14 de fevereiro de 1943, Ele quis coroar com a Cruz o seu edifício: a Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz” [6].

E, dirigindo-se especificamente às mulheres da Obra, acrescentava: “Minhas filhas, tendes alma sacerdotal, repito-vos com São Pedro: Vos autem genus electum, regale sacerdotium, gens sancta, populus acquisitionis (1 Pe 2, 9). Sois linhagem escolhida, real sacerdócio, nação santa… E, além disso, tendes o privilégio de que Deus escolheu uma mulher para ser sua Mãe: a sempre Virgem, nossa Mãe Santa Maria, que permaneceu ao pé da Cruz, com fortaleza, com amor. DEla aprendeis a ser corredentoras […]. Com os vossos anseios de adorar a Deus, de reparar, de agradecer, de impetrar, pondes o que falta – como afirma São Paulo – à Paixão de Cristo: et adimpleo ea quae desunt passionum Christi in carne mea pro corpore eius, quod est Ecclesia (Col 1, 24). E o Senhor, que é o Semeador Divino – recordais a parábola –, toma-vos em suas mãos ensanguentadas como dois punhados de trigo, aperta-vos e lança-vos ao ar para vos espalhar por toda a terra. Sois bênção do Senhor. Sois fecundidade do Senhor, e, com a sua ajuda, podeis tudo” [7].

A alma sacerdotal é característica de todos os cristãos, infundida em nós pelo Batismo e pela Confirmação. Deus quer que esteja sempre ativa em nós, de modo análogo ao de como a alma humana informa, a todo o momento, com a sua virtude, os diversos membros do corpo. Mantenhamos sempre vivo esse espírito sacerdotal, que tem de ser como o bater do coração: um impulso espiritual que leva à união com Jesus crucificado e ressuscitado, com o desejo de fazer de nós, inteiramente, instrumentos seus para a salvação das almas. Como o Santo Sacrifício do altar influi no teu dia, no teu trabalho, na tua fraternidade, no teu apostolado? Cresce a cada dia o teu amor pela Paixão do Senhor? Fomentas na tua alma a necessidade da penitência?

Filhas e filhos meus, foi neste mês que o nosso Padre, num impulso irreprimível de afeto, dirigiu ao Senhor, enquanto distribuía a Sagrada Comunhão às freiras na igreja do Patronato de Santa Isabel, aquelas palavras: “Amo-Te mais do que estas”. E ouviu a imperiosa censura divina: “Obras é que são amores, não as boas palavras” [8]: era o pedido para que não transigisse na oração e na expiação que já lhe consumia a alma.

A experiência de São Paulo, homem que amava a Cruz e estava cheio de zelo pela salvação do mundo, tem de reproduzir-se em todos os fiéis. O Papa Bento XVI assim o tem recordado com frequência durante este ano dedicado ao Apóstolo. “Para São Paulo – dizia numa audiência –, a Cruz tem um primado fundamental na história da humanidade; representa o ponto central da sua teologia, porque dizer Cruz significa dizer salvação como graça dada a toda criatura. O tema da Cruz converte-se num elemento essencial e primário da pregação do Apóstolo” [9].

São Paulo não renuncia a pregar a necessidade da Cruz em momento algum, mesmo em cidades – como Corinto – onde imperava um manifesto hedonismo. Não passemos por alto este exemplo concreto de comportamento, que todos devemos seguir, especialmente nestes tempos. A linguagem da Cruz – anunciava o Apóstolo, sem falsos respeitos humanos – é loucura para os que se perdem, mas, para os que foram salvos, para nós, é uma força divina […]. Aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura da sua mensagem. Os judeus pedem milagres, os gregos reclamam a sabedoria; mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios [10].

Hoje, como sempre, é grande a urgência de insistir com as almas para que escutem estas verdades, nessa linguagem clara e, ao mesmo tempo, otimista, animadora, carregada de esperança. “O Apóstolo quer recordar, não só aos coríntios ou aos gálatas, mas a todos nós, que o Ressuscitado continua sempre a ser Aquele que foi crucificado. O «escândalo» e a «loucura» da cruz radicam, precisamente, no fato de que, onde parece existir somente fracasso, dor, derrota, é precisamente ali que está todo o poder do Amor ilimitado de Deus, porque a Cruz é expressão de amor, e o amor é o verdadeiro poder que se revela precisamente nessa aparente debilidade” [11].

O amor por Cristo explica a extraordinária força de Saulo para levar a mensagem cristã por todo o mundo. “Muitos apresentam São Paulo como um homem combativo que sabe usar a espada da palavra. De fato, no seu caminho de apóstolo não faltaram as disputas. Não buscou uma harmonia superficial […]. Para ele, a verdade era demasiado grande para que estivesse disposto a sacrificá-la em favor de um sucesso externo. Para ele, a verdade que tinha experimentado no encontro com o Ressuscitado bem merecia a luta, a perseguição e o sofrimento. Mas, o que o motivava mais profundamente era o fato de ser amado por Jesus Cristo e o desejo de transmitir esse amor aos outros. São Paulo era um homem capaz de amar, e todo o seu agir e sofrer só se explicam a partir deste alicerce. Os conceitos fundamentais do seu anúncio só se compreendem sobre esta base” [12].

Nessas linhas descreve-se perfeitamente o motor da alma sacerdotal, apostólica, que todos temos de fomentar. Trazem o eco de outras palavras do Apóstolo: Caritas Christi urget nos [3], o amor de Cristo insta conosco. E daquelas outras: Anunciar o Evangelho não é glória para mim; é uma obrigação que se me impõe. Ai de mim se não anunciar o Evangelho! [14]. O afã ardente de ser fiel ao mandato de Cristo – o mesmo que todos nós, cristãos, recebemos – impulsionou Paulo a viajar incansavelmente por toda a parte, dando a conhecer Jesus, sem ficar calculando as penas e sacrifícios que o cumprimento da sua missão comportava. O mesmo desejo impulsionava os primeiros cristãos. “Lá vão todos – recordava São Josemaria, em momentos de grave perseguição religiosa –, com a sua pureza, limpar o charco sujo e esverdeado do mundo pagão […]. A sociedade romana começa a contemplar, assombrada, homens jovens que, com fortaleza de corpo e de alma, se convertem em apóstolos da nova fé; não se segregaram do mundo e nada os diferencia dos outros; talvez, somente essa luz vibrante que lhes arde dentro do peito. Contempla também as virgens, pertencentes a famílias patrícias da Roma imperial e à plebe, que coroam a sua inocência com a penitência. E começa a perceber os efeitos de um apostolado perseverante, sem intermitências, repleto de generosidade e de sacrifício; através da algazarra das festas, nos anfiteatros e no meio dos banquetes monstruosos, a voz de Cristo ressoa cada vez mais fortemente” [15].

Sim, filhas e filhos meus: só em Jesus Cristo encontramos a razão do nosso serviço às almas, que desejamos que cresça de dia para dia com mais intensidade e com um profundo zelo. Se nos apaixonarmos “loucamente” por Ele, como São Paulo, nenhum obstáculo ou dificuldade, nem externo nem interno, poderá refrear o nosso apostolado. Meditemos em outras palavras de São Josemaria, que, seguindo os passos do Apóstolo, se perguntava: “Donde tirava São Paulo esta força? Omnia possum in eo qui me confortat (Fl 4, 13), tudo posso nAquele que me conforta! Tudo posso, porque só Deus me dá esta fé, esta esperança, esta caridade. Custa-me muito a crer na eficácia sobrenatural de um apostolado que não esteja apoiado, solidamente alicerçado, numa vida de contínua intimidade com o Senhor. No meio do trabalho, sim; dentro de casa ou no meio da rua, com todos os problemas, uns mais importantes que outros, que surgem todos os dias. Ali, não fora dali, mas com o coração em Deus. E então as nossas palavras e as nossas ações – e até as nossas misérias! – exalarão o bonus odor Christi (2Cor 2, 15), o bom odor de Cristo, que os outros forçosamente hão de sentir: aí está um verdadeiro cristão” [16].

Dentro de poucos dias, em 19 de fevereiro, é a data em que o caríssimo Dom Álvaro celebrava o seu onomástico. Sigamos também o exemplo deste Servo de Deus, que tão profundamente imprimiu em seu coração o zelo pela salvação das almas. Rezemos para que o iter da sua Causa de canonização caminhe expeditamente. Sem antecipar, de maneira nenhuma, o juízo da Igreja, estamos certos de que o reconhecimento da heroicidade das suas virtudes constituirá um impulso mais para que muitas pessoas decidam converter todos os momentos e circunstâncias da sua vida em ocasião de amar e de servir o Reino de Jesus Cristo [17].

No dia 21 deste mês, também terei a alegria de conferir o diaconado a dois irmãos vossos Adscritos. Vem com força à minha alma o desejo de São Josemaria de contar com esse serviço dos seus filhos Adscritos: não o contemplou realizado na terra, mas a sua oração e a sua expiação chegaram ao Céu, e bem podeis aplicar a vós a ideia de que sois – todos nós somos – fruto dessa oração, que continua no Céu, e daquela generosa e alegre expiação que praticou enquanto vivia conosco.

Ontem, recebeu-me em Audiência privada o Santo Padre Bento XVI. Não resisto a acrescentar estas linhas a esta carta, a fim de animar-vos uma vez mais a agradecer o seu grande afeto e interesse, e a sua paternal Bênção para todas as pessoas e trabalhos apostólicos da Prelazia. Rezemos muito pela sua Pessoa, pelo seu trabalho e pelas suas intenções.

Com todo afeto, abençoa-vos

o vosso Padre

† Javier


Roma, 1º de fevereiro de 2009.



[1] Cf. Jo 10, 16.

[2] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 9.

[3] Col 1, 24.

[4] São Josemaria, Via Sacra, II estação, ponto 5.

[5] Jo 6, 51.

[6] São Josemaria, Apontamentos da pregação, 11-VII-1974.

[7] Ibidem.

[8] São Josemaria, Caminho, n. 933.

[9] Bento XVI, Discurso na audiência geral, 29-X-2008.

[10] 1 Cor 1, 18-23.

[11] Bento XVI, Discurso na audiência geral, 29-X-2008.

[12] Bento XVI, Homilia na inauguração do ano paulino, 28-VI-2008.

[13] 2 Cor 5, 14.

[14] 1 Cor 9, 16.

[15] São Josemaria, Apontamentos da pregação, 26-VII-1937.

[16] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 271.

[17] Cf. Oração para a devoção privada ao Servo de Deus Álvaro del Portillo.