terça-feira, 6 de abril de 2010

REALIDADE PENSANTE - ATO XIII - Onde está o Senhor?


Onde está o Senhor?

"Entretanto, Maria estava da parte de fora do sepulcro a chorar. Enquanto chorava, inclinou-se para o sepulcro e viu dois anjos vestidos de branco, sentados no lugar onde fora posto o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés. Eles disseram-lhe: 'Mulher, por que choras?'. Respondeu-lhes: 'Porque levaram o meu Senhor e não sei onde O puseram' (Jo 20, 11-13)."

Esta conhecida passagem do Evangelho, que meditamos na Santa Missa de hoje, como bem sabemos é o diálogo de Santa Maria Madalena com anjos antes de encontrar-se com Jesus ressuscitado. No entanto, resolvemos voltar nossa atenção somente a este trechinho, onde nos surpreende a postura de Santa Maria Madalena e sua resposta aos anjos.
Num primeiro momento vemos a figura de Maria Madalena chorando do lado de fora do sepulcro. Algo a atingia profundamente. Os anjos ao questionarem seu choro recebem de resposta “Porque levaram o meu Senhor e não sei onde O puseram”. A dor de Maria Madalena é a dor da ausência. Embora Ele anunciasse sua ressurreição durante sua pregação, talvez ela não se lembrasse disso neste momento. Afinal, diante das cenas de sua Paixão e Morte de Cruz, de toda a humilhação pública que sofrera, talvez não cessassem ali as más intenções dos homens e, por conseqüência, o desaparecimento do Corpo evitasse o culto público, na concepção dos que O julgaram e condenaram. Restava a dor do túmulo vazio. Mas ainda assim não o deixava de considerá-lO como “Meu Senhor”. Eis a primeira lição que recebemos de Santa Maria Madalena neste texto: quantos de nós, ao sofrermos qualquer desilusão, imediatamente atribuímos a culpa ao Senhor, tirando-O assim de sua posição de Senhor de nossas vidas... Ele passa a ser réu de nossos juízos. Madalena esqueceu-se talvez de sua promessa de ressurreição, mas mesmo diante da contrariedade sofrida pela primeira decepção – a da morte do Senhor, uma vez que o povo esperava sua reação nacionalista ante os que O julgavam – e do susto diante do aparente furto do Santíssimo Corpo de Jesus, não deixou de considerá-lO seu Senhor.
A segunda lição deixada neste texto nasce de uma exploração da resposta de Santa Maria Madalena: “Porque levaram o meu Senhor e não sei onde O puseram”. A dor da ausência sentida por Madalena põe em xeque a qualidade de nossos exercícios penitenciais durante a Quaresma e Semana Santa. Para alguns – e estes alguns não são poucos – a penitência constitui um verdadeiro fardo onde o Domingo de Páscoa é o oásis para aliviar tal dor. Embora tal visão não esteja totalmente incorreta, corremos sério risco de colocarmos tudo a perder facilmente. Explicaremos. São incontestáveis os frutos do Espírito Santo em nossa alma por meio das práticas penitenciais, sobretudo neste tempo santo. Contudo, se não o aproveitarmos corretamente, vivendo a penitência como meio de oração, não deixando que o orgulho e a vanglória do ato exterior por si só suplantem a graça, será fácil trair o Senhor, como fez Judas (e tão bem o refletimos nestes dias...), mesmo logo após o Domingo de Páscoa. Por isso são tão significativos para nós a frase de Maria Madalena e seu pranto. Acaso não estamos deixando que práticas exteriores – que bem pode ser um jejum visível, um gesto de caridade perceptível, um ar de piedade e oração que não refletem nossa real condição interior (isso é a pior caricatura do católico), etc. – levem o Senhor ressuscitado de nós? Por acaso, em nome de uma falsa conduta cristã não estamos obscurecendo a imagem do Cristo para os demais? Páscoa é tempo de nos encontrarmos com Cristo. Sobretudo, este não deve ser qualquer encontro, e sim, como dizia o Servo de Deus João Paulo II, um encontro pessoal, vivo, de olhos abertos e coração palpitante com o Senhor Ressuscitado. Deve ser um encontro não apenas ritual, mas real, experimentado na vida, nas orações, na meditação da Palavra, na recepção da Eucaristia e no amor pelo próximo. A Quaresma se foi, mas ainda há tempo para que busquemos o Cristo vivo em um encontro repleto de amor e graças.
É Oitava de Páscoa, ou seja, estamos vivendo oito dias que são a extensão do Domingo de Páscoa. Sendo assim, tomemos para nós estas questões de Santa Maria Madalena acerca do Ressuscitado e reflitamos no nosso dia. Afinal, sabemos onde O puseram – aliás, sabemos onde O pusemos e onde Ele deveria estar...

sábado, 3 de abril de 2010

REALIDADE PENSANTE - ATO XII - Meditação sobre o Sábado Santo


(Na tradição oriental, o ícone da Ressurreição é representada pela descida aos infernos, à mansão dos mortos. Ricos em símbolos, os ícones são “IMAGENS que visualizam a palavra bíblica e levam aos olhos o que a palavra transmite ao ouvido.” O centro da composição é Cristo glorioso e luminoso. Tendo arrombado as portas dos infernos, Cristo as esmaga e agarra o punho de Adão, que ele arranca com vigor das trevas da morte. Com Adão, é toda a humanidade que é arrancada por Cristo, que tomou a iniciativa da nossa salvação. Ainda no primeiro plano, saindo do túmulo, Eva levanta as mãos cobertas pelo seu manto em sinal de reverência. Atrás dela, os justos e os profetas do Antigo Testamento. À esquerda, os reis Davi e Salomão. Perto deles, João Batista, o precursor, aponta para Cristo. Em cima de Cristo, os anjos, com as mãos cobertas em sinal de reverência, trazem a cruz e o cálice do sangue oferecido pela humanidade. Ganchos, correntes rompidas jazem no buraco negro dos infernos cujo as altas encostas sublinham a profundeza e a distância com o céu. No seu corpo transfigurado, Cristo escapa às leis do mundo, a gravidade da corrupção e da morte…Ele está suspenso no espaço. Vencedor da morte, Ele é transparência, abertura e comunhão)

Tendo descido ao túmulo, ó Imortal,
Tu destruíste o poderio dos infernos e,
levantaste-te como vencedor, ó Cristo Deus,
Tu, que disseste às mulheres atemorizadas: rejubilai!
E aos apóstolos, dás a paz,
Tu que ressuscitas aqueles que sucumbiram.
(Liturgia ortodoxa)



MEDITAÇÃO SOBRE O SÁBADO SANTO

“Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam à séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos.
Ele vai, antes de tudo, à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, e agora libertos dos sofrimentos.
O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: “O meu Senhor está no meio de nós”. E Cristo respondeu a Adão: “E com teu espírito”. E tomando-o pela mão, disse: “Acorda, tu que dormes, levante dentre os mortos, e Cristo te iluminará. Eu sou o teu Deus, que por tua causa me tornei teu filho; por ti e por aqueles que nasceram de ti, agora digo, e com todo o meu poder, ordeno aos que estavam na prisão: “Saí!”; e aos que jaziam nas trevas: “Vinde para a luz!”; e aos entorpecidos: “Levantai-vos!”
Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te, obra de minhas mãos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa.
Por ti, eu, o teu Deus, me tornei teu filho; por ti, eu, o Senhor, tomei tua condição de escravo. Por ti, eu, que habito no mais alto dos céus, desci à terra, e fui mesmo sepultado abaixo da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim fui entregue aos judeus e num jardim, crucificado.
Vê em meu rosto os escarros que por ti recebi; para restituir-te o sopro da vida original. Vê nas minhas faces as bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, a tua beleza corrompida. Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti para retirar dos teus ombros os pesos dos pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas à árvore da cruz, por causa de ti, como outrora estendeste levianamente tuas mãos para a árvore do paraíso. Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado, como Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso. Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte. Minha lança deteve a lança que estava voltada contra ti.
Levanta-te, vamos daqui. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; eu, porém, já não te coloco no paraíso mas num trono celeste. O inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida; eu, porém, que sou a vida, estou agora junto de ti. Constituí anjos que, como servos, te guardassem; ordeno agora que eles te adorem como Deus, embora não sejas Deus. Está preparado o trono dos querubins, prontos e a postos os mensageiros, constituído o leito nupcial, preparado o banquete, as mansões e os tabernáculos eternos adornados, abertos os tesouros de todos os bens e o reino dos céus preparado para ti desde toda a eternidade.”

(De uma antiga Homilia no grande Sábado Santo (séc IV), de um autor grego desconhecido - Da Liturgia das Horas – II leitura do Sábado Santo)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

REALIDADE PENSANTE - ATO XI - Quaresma, tempo de expectativas (???)


Caros,

Incrível como o tempo corre veloz! Alguns me dizem "parece que ontem mesmo estávamos celebrando o Natal, com as expectativas do Advento..." De fato o tempo do Advento nos coloca numa rota de expectativas acerca do nascimento do Salvador. E mesmo em percebermos a riqueza dos Novíssimos, meditados nos últimos Domingos do Ano Litúrgico, nos colocam nesta rota de expectativa acerca da chegada de Cristo por meio da parusia. As últimas celebrações do Ano Litúrgico e por que não dizer também as do Ano Civil projetam diante dos nossos olhos a expectativa da vinda de Cristo, onde tudo já fora devidamente anunciado pelos profetas. E, em se tratar da segunda vinda do Senhor, a promessa fora anunciada por Ele mesmo! A alegria que vai se mostrando paulatinamente nos conforta e nos faz crer nessa expectativa, pois o cumprimento destas depende unicamente dEle. Ele veio e Ele virá.
Mas o tempo correu veloz e cá estamos diante da Quaresma... Põe-se diante de nós um novo tempo de expectativas. "Expectativas?", perguntaria certamente o caro leitor. Sim é a resposta. Esmiuçaremos estas idéias.
Falar da Páscoa nos faz passar adiante pelos mistérios da Encarnação e da Natividade. Faz-nos passar adiante mesmo pelo mistério da segunda vinda do Senhor. Por quê? Embora a Encarnação e a Natividade sejam um ato de amor da parte de Deus jamais visto, e jamais compreendido pela humanidade (como o Filho, consubstancial ao Pai, permite-se, quer tornar-se um de nós? Isso JAMAIS compreenderemos. É demais para o gênero humano) trata-se de um fato ocorrido, que deve ser celebrado. Assim como a segunda vinda é um fato que deve ser aguardado. Mas em ambos casos trata-se de uma ação VOLUNTÁRIA e AMOROSA do Senhor. Quem somos nós para merecermos ou exigirmos que Ele se faça carne como nós, criaturas? Ou quem somos nós para determinarmos sua volta? Agora sobre a Páscoa não se trata unicamente de um fato que ocupa um lugar no tempo ou no espaço. A Redenção acontece. Está acontecendo. O Cristo é levantado na Cruz novamente em nossos altares de forma incruenta. Mas onde entra a nossa ação, sendo que quem se doa é Ele? Simples: há um Redentor e um redimido. A Salvação acontece desde que hajam pessoas que queiram ser salvas, que aceitem a Salvação. Por isso não dizemos que a Salvação do gênero humano ocorreu na Cruz de Cristo, mas OCORRE. Serenamente procuremos entender este mistério. Nossa ação de maneira conjunta à ação suprema de Cristo automaticamente nos colocará num caminho de perfeição que culminará justamente nEle. Nisto dizemos ser a Quaresma um tempo de expectativas, como dizemos no fim do Ano Litúrgico e no Advento.
Mas se dizemos que estas celebrações nos colocam em rota de expectativa pela figura do Cristo, e que tudo terminará numa ação dEle, como podemos dizer que a Quaresma é também um tempo de expectativas? Nessa ótica a Quaresma e o Advento seriam a mesma coisa... Chegamos ao ponto fundamental dessa nossa análise: se dizemos que a Redenção só se torna efetiva em minha vida se eu a aceitar (embora teologicamente saibamos que Cristo salvou a humanidade inteira, mas permaneçamos com este raciocínio para compreendermos os exercícios da Quaresma como trampolim para a perfeição), importa que neste tempo santo estejamos dispostos a viver o caminho que Cristo viveu, e caminhando com ele até a Cruz e ao sepulcro, ressuscitemos com Ele. Mas onde se encontram tais expectativas afinal, se sabemos que Ele morreu e ressuscitou? A Quaresma é um tempo de expectativas acerca de nós mesmos - este é o segredo para se viver santamente este tempo. Acompanhando a Via Crucis, entendamos os nossos defeitos dominantes e depositemos, arrependidos pelas ofensas que lançamos sobre o crucificado HOJE (sim, não esqueçamos do caráter atemporal do Sacrifício dEle), no Sepulcro e morramos com Ele, pois certamente ressuscitaremos para uma vida nova. Quaresma o tempo ideal para verificarmos o que podemos esperar de nós, até onde somos fiéis, qual a nossa capacidade e quais as nossas omissões. Pense em você, espere de você. A Quaresma é tempo de transportar tudo o que somos, sem máscaras, para as chagas gloriosas de nosso Senhor. Una-se enfim a Ele, pois ele sofrerá e morrerá com o que detectarmos neste tempo. Ele espera nosso exame, espera nosso abandono. Sim, o tempo é de expectativas também para Ele. Começamos o tempo da Quaresma com o que seremos no final - cinzas. É tempo de começar pelo final, é tempode fazer diferente, de sermos nós também elementos efetivos de Redenção no Calvário. E ao ressuscitarmos com Ele na Páscoa, saborearemos cá na terra um pouquinho do Céu.

Bendito seja Deus para sempre!